Artigo: Novas Regras da ANTAQ sobre Sobrestadia de Contêineres (Acórdão nº 521/2025)Publicado em 09/10/2025 Por Leonardo Gonoring, assessor jurídico do SindiexNos últimos anos, importadores e exportadores vem enfrentando uma crise logística relacionada à devolução de contêineres vazios, resultando em atrasos generalizados e cobranças excessivas de sobrestadia (demurrage). A sobrestadia é a taxa cobrada pelo transportador quando o contêiner não é devolvido dentro do prazo livre acordado, como forma de compensar o uso prolongado do equipamento. Entretanto, a ausência de regulamentação específica sobre o tema permitiu distorções na cobrança, abrindo brechas para práticas abusivas e causando insegurança jurídica no comércio exterior. Esse cenário elevou os custos logísticos, que acabaram repassados ao consumidor final, o que tornou a sobrestadia uma das principais fontes de conflito no setor. De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), 73% dos usuários da navegação de cabotagem relatam prejuízos com cobranças de demurrage, o que ilustra a gravidade do problema. A situação se agravou durante a pandemia de COVID-19, quando houve congestionamentos portuários e falta de locais para devolução de contêineres vazios, impedindo o cumprimento dos prazos pelos importadores/exportadores. O aumento expressivo do comércio global levou a um recorde na movimentação de contêineres (crescimento de 20% em 2024) e, com ele, multiplicaram-se as denúncias de cobranças irregulares de sobrestadia pelos armadores. Em suma, muitos usuários se viram pagando por atrasos cuja causa real estava fora de seu controle, evidenciando a necessidade de uma intervenção regulatória para equilibrar a situação. Audiência pública na Câmara e atuação do Sindiex Diante desse cenário, a Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública, em 12 de junho de 2025, na Comissão de Viação e Transportes, para discutir a cobrança abusiva de sobrestadia no transporte marítimo. Solicitado pelo Deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), o debate reuniu autoridades, empresas e representantes de usuários do comércio exterior. Participei representando o Sindiex na audiência, defendendo os interesses dos importadores e exportadores capixabas e reforçando a urgência de medidas efetivas para resolver o impasse da demurrage abusiva, em sintonia com as demais vozes do setor. Na audiência, ficou claro o consenso sobre a necessidade de regulamentação: os participantes destacaram que é urgente estabelecer regras para a demurrage que preservem a eficiência logística sem permitir distorções contratuais que onerem injustamente os importadores, exportadores e, em última instância, o consumidor brasileiro. Discutiu-se, por exemplo, a criação de mecanismos formais para contestar cobranças indevidas, mediação de conflitos entre usuários e armadores, e maior flexibilidade em situações de força maior (como greves ou calamidades) que impeçam a devolução tempestiva dos contêineres. O Sindiex, junto com outras entidades e parlamentares, enfatizou que a falta de regramento claro colocava o setor em posição vulnerável, arcando com custos de armazenagem e estadia por falhas alheias à sua atuação. A audiência pública serviu, portanto, para pressionar os órgãos competentes a agir rapidamente em prol de regras mais justas e do equilíbrio nas relações contratuais do comércio exterior. Principais eventos até o Acórdão nº 521/2025 Para compreender como se chegou ao Acórdão nº 521/2025 da ANTAQ, é útil relembrar os eventos-chave que culminaram nessa decisão histórica. A seguir, apresentamos uma cronologia dos principais marcos relacionados à cobrança de sobrestadia de contêineres:
Com base no voto da diretora-relatora Flávia Takafashi e no relatório técnico da ANTAQ, o Acórdão nº 521/2025 trouxe novos entendimentos sobre a responsabilidade pela cobrança de sobrestadia de contêineres. Em essência, a decisão estabeleceu critérios objetivos para definir quando a demurrage pode ser cobrada e quem deve arcar com esse custo, especialmente em situações de falha logística fora do controle do importador/exportador. O princípio central firmado pelo colegiado da ANTAQ é que a sobrestadia só pode ser cobrada do usuário quando o atraso na devolução do contêiner decorrer de ato ou escolha do próprio usuário, ou de culpa que lhe seja atribuível. Isso significa que, se o importador ou exportador retém o contêiner além do prazo livre por conveniência própria, por necessidade operacional deliberada ou por negligência/falta sua, a cobrança de demurrage continua sendo considerada legítima. A ANTAQ enfatiza que não está abolindo a sobrestadia em si, que é um instrumento legítimo nos contratos de transporte, mas sim coibindo cobranças abusivas em situações específicas. Como a diretora Flávia Takafashi destacou, "não se está afastando a cobrança de sobrestadia, porque ela é legítima. O que se está afastando é a cobrança abusiva nessas situações específicas”. Por outro lado, o acórdão redefiniu a responsabilização quando o atraso decorre de falhas logísticas alheias ao usuário. Ficou claramente estabelecido que não haverá incidência de sobrestadia quando a demora na devolução do contêiner ocorrer por fato imputável ao transportador ou a seus agentes (e.g., armador, operador portuário, depósito de contêineres vazios). Em termos práticos, se o importador/exportador não conseguir devolver o contêiner dentro do prazo devido a problemas na cadeia logística sob responsabilidade do armador, ele não poderá ser penalizado com demurrage. Isso abrange situações como: falta de espaço ou de vagas em depósito designado pelo transportador, recusa injustificada de recebimento do contêiner vazio, indisponibilidade de janelas para devolução no terminal indicado, congestionamentos ou lentidão operacional causados pelo próprio transportador ou pelo porto, entre outros casos semelhantes. Nesses cenários, o risco do atraso é considerado parte do risco do negócio do transportador e de suas contratadas, e não deve recair sobre o usuário pagante do frete. Vale reforçar com as palavras do próprio acórdão: a cobrança de demurrage não é admissível quando o não retorno do contêiner decorrer de ações ou omissões atribuíveis ao transportador marítimo, aos seus prepostos, à logística adotada pelo transportador, ou quando o evento que causou a paralisação do equipamento estiver dentro dos riscos operacionais do transportador, do terminal portuário ou do depósito de vazios. Essa linguagem deixa explícito que problemas sistêmicos de logística, como os vivenciados na crise recente, devem ser suportados por quem os causou (ou quem assumiu esse risco na prestação do serviço), e não pelo importador ou exportador que já se encontra prejudicado pela falha. Trata-se de uma mudança de paradigma: historicamente, muitos contratos colocavam todo o ônus de atraso no importador, mas agora a ANTAQ sinaliza que cada parte deve arcar com os riscos sob sua esfera de controle. Outro ponto inovador do Acórdão 521/2025 diz respeito à contagem do tempo de sobrestadia e às consequências práticas quando há falha logística do transportador. Ficou definido que, caso a demurrage já tenha começado a incidir e sobrevenha uma situação de impedimento na devolução por responsabilidade do armador/terminal, a contagem dos dias de sobrestadia deverá ser suspensa a partir do momento em que o usuário comprovar a primeira tentativa frustrada de devolução do contêiner. Ou seja, se a empresa tentou entregar o contêiner vazio dentro do prazo e não conseguiu por falta de instruções ou recusas do outro lado, a partir dessa tentativa documentada o "relógio” da demurrage para de correr. A contagem permanecerá suspensa até que o transportador restabeleça condições efetivas para receber o contêiner de volta. Somente quando for normalizada a logística de devolução (por exemplo, o armador indicar um novo local ou horário viável) é que a contagem do prazo de sobrestadia retorna a fluir. Essa orientação protege o usuário de acumular cobranças durante o período em que estava impossibilitado de devolver o equipamento por motivos alheios à sua vontade. Além disso, o acórdão reafirmou entendimentos importantes já esboçados na norma anterior (Res. 62/2021) e na jurisprudência. Por exemplo, eventos de caso fortuito ou força maior ocorridos dentro do período de free time suspendem a contagem do prazo livre, assim, acontecimentos extraordinários como catástrofes naturais, greves gerais ou atos de autoridade (ex.: retenção alfandegária não causada pelo importador) devem interromper o curso do tempo de estadia, evitando que o usuário perca todo seu período livre por um fator imprevisível. Outro ponto reafirmado foi a ilegalidade de reter cargas importadas como forma coercitiva de forçar o pagamento de sobrestadia: a ANTAQ deixou claro que o armador não pode se recusar a liberar a carga do importador sob o pretexto de que há demurrage em aberto, salvo em hipóteses muito específicas previstas em lei, como dívidas de frete ou avaria grossa (conforme o art. 12 da Resolução 62/2021). Em suma, o conjunto de entendimentos consolidados pelo Acórdão 521/2025 busca alocar corretamente as responsabilidades pelo atraso na cadeia logística de contêineres, coibir abusos contratuais e trazer mais equilíbrio e transparência para todos os envolvidos. Efeitos práticos para os associados do Sindiex e o setor Do ponto de vista dos associados do Sindiex, e dos usuários de transporte marítimo em geral, as decisões contidas no Acórdão 521/2025 têm impactos diretos e benéficos. A seguir destacamos os principais efeitos práticos esperados:
O Acórdão nº 521/2025 da ANTAQ representa uma vitória importante para o setor de comércio exterior e para os associados do Sindiex. Ele atende a uma demanda antiga do mercado por regras mais justas na cobrança de demurrage, corrigindo distorções que penalizavam importadores e exportadores por problemas logísticos fora do seu alcance. Com uma linguagem clara e objetiva, o entendimento regulatório agora vigente coloca cada responsabilidade em seu devido lugar: o usuário paga a sobrestadia somente se der causa ao atraso, enquanto os transportadores e operadores portuários devem arcar com os riscos de sua própria operação. Espera-se que, daqui em diante, as relações comerciais fiquem mais equilibradas, com menos conflitos e menor necessidade de intervenção judicial para resolver disputas de sobrestadia. O Sindiex permanecerá atento à implementação dessas diretrizes, seja orientando seus associados sobre como proceder em casos concretos, seja cobrando das autoridades a devida fiscalização do cumprimento pelas empresas de navegação. Em caso de dúvidas ou para compartilhar experiências sobre devolução de contêineres e demurrage, os associados podem procurar o sindicato para apoio e esclarecimentos. Em suma, o novo marco regulatório traz alívio e segurança para quem atua no comércio exterior. Ao redefinir a cobrança de sobrestadia em bases mais equânimes, a ANTAQ contribui para reduzir custos logísticos, incentivar a eficiência e reforçar a confiança dos usuários no sistema de transporte marítimo brasileiro. O Sindiex celebra essa conquista e reforça seu compromisso de continuar defendendo os interesses do setor, rumo a um ambiente de negócios cada vez mais justo, competitivo e previsível. |
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